13 de outubro de 2013

Tem mais Samba a Dois


"Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba?"

Faço proveito dessa pergunta para dizer que até onde se sabe não houve atrevimentos de tal "porte". Estudando a história do samba, encontra-se definições, datas e explicações sobre sua origem. No entanto, nem mesmo grandes gênios que fizeram parte do que hoje pesquisamos, daquela "nata da malandragem"* - tais como o grande Paulo da Portela (vital para divulgação e a retirada do preconceito muito comum daquela época com o samba), Ismael Silva (um dos fundadores da primeira escola de samba, "Deixa Falar", 1928), Alcebíades Barcelos (Bide, malandro que criou o surdo, mudando o ritmo anteriormente "amaxixado"), Cartola, Noel Rosa, entre tantos outros dessa lista enorme - ousaram dizer do que ele era feito. Porém, o samba sempre foi algo muito citado nas próprias composições, houve, sim, aqueles que muito já disseram e destacaram nas músicas como ele era importante, entretanto, a magia que esse gênero causa nunca poderá ser explicada e os grandes sambistas da antiga sabiam disso. Talvez esse seja um dos motivos daquela época ter tornado-se um marco para cultura brasileira - claro, além de todo contexto histórico, como sua origem, gêneros anteriores, etc - tudo era feito com cuidado, aqueles compositores se importavam verdadeiramente com o que estava sendo escrito e a melodia que ficava por cima, os sambas não faziam parte de suas vidas, o samba era a vida de cada um, onde, então, ela se refletia. Mas o que aqueles sambistas não sabiam é que estavam muito a frente de seu tempo, desprovidos da tecnologia, essa facilidade para encontrar qualquer coisa e principalmente entregues à escassez de instruções, fizeram algo que em pleno século XXI não pode evoluir; quase de forma generalizada, os sambas contemporâneos e suas atividades são feitas para o comércio, ou/também para um ato mais exibicionista. Enquanto, antigamente, eram feitos nos terreiros, no morro... E sem maiores pretensões. Logo, aí está outro ponto mágico do samba: sua evolução foi feita lá atrás. Por fim e para uma melhor compreensão dos fatos que levaram a crer que o samba e as "Escolas de Samba" tomaram rumos que não eram inerentes aos propósitos iniciais - como quando surgiram - e também para dar uma breve "definição" do que podemos chamar de "samba", deixarei um trecho do livro escrito pelo Mestre Candeia e Isnard. Leiam a "apresentação" de muito valor dada por Sérgio Cabral: 


"O samba é a mais expressiva linguagem musical do povo carioca. Hoje enriquece os donos do mercado musical, enquanto as escolas de samba são utilizadas pelo seu potencial turístico, sugadas pelo que oferecem de supérfluo e desprezadas pelo fundamental. Há tantos interesses em torno do samba e das escolas que fica muito difícil saber onde é a fronteira da manifestação espontânea do povo e a ganância."

Trecho extraído do livro "Escola de Samba: Árvore Que Esqueceu a Raiz


*Referência à música "Homenagem ao Malandro

Samba a Dois: música de Marcelo Camelo e que faz parte do terceiro álbum da banda 
Los Hermanos, Ventura. Além dos geniais trocadilhos feitos no refrão, 

"Me lava a alma, me leva embora..."
"Me lava a alma, me leva agora..."

que fazem referência à Mila Burns - mulher com quem Marcelo já foi casado - quando o mesmo canta "Mi lava a alma, mi leva embora", a canção traz também uma "intertextualidade" com outra de Chico Buarque, "Tem Mais Samba" nos seguintes trechos:

Samba a Dois
(Marcelo Camelo)

Quem me ensinou a te dizer

"Vem que passa o teu sofrer"


"Me laça a alma, me leva agora
Já que um bom samba não tem lugar"






Tem Mais Samba
(Chico Buarque)

"Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora

Samba sem querer
Vem que passa
Teu sofrer

Se todo mundo sambasse

Seria tão fácil viver"

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Ouça agora cada uma delas:

SAMBA A DOIS



Tem Mais Samba
1964

Feita para o musical Balanço de Orfeu, de Luiz Vergueiro.

Chico considera essa canção o marco zero de seu carreira profissional. Foi uma encomenda feita pelo produtor Luiz Vergueiro para o show Balanço de Orfeu, que estreou em 7 de dezembro de 1964 no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo.

Em depoimento para o jornalista e escritor Humberto Werneck, Luiz conta que a música funcionaria como uma espécie de moral de história para o conforto entre a Bossa Nova e a Jovem Guarda. A canção seria cantada no final do espetáulo, por todo o elenco, numa mais do que esperada vitória da Bossa Nova.

A primeira sugestão de Chico não satisfez o diretor, e a música só ficou pronta na véspera da estreia. Era "Tem mais samba" - que, além de marco inicial, indicaria "uma constante em seu trabalho: a criação por encomenda [aquela foi a primeira], contra o relógio, mas nunca em prejuízo da beleza e do prazer de criar", segundo Werneck.



Trecho extraído do livro "Chico Buarque - Histórias de Canções", de Wagner Homem, (página 18).




Em uma apresentação no Bem Brasil, Marcelo cantou um dos versos da música "Mania de Você" da Rita Lee no final. Ouçam:

Agora para os mais interessados, deixarei o link para download do Livro "Escola de Samba: Árvore que esqueceu a raiz", mais algumas fontes para o estudo desses que foram tão importantes para a música popular brasileira e que talvez devido a essa importância, inspirou uma das mais belas músicas escritas pelo Marcelo Camelo, da qual ele não hesitou terminar de outra forma a não ser "nem se atreva a me dizer do que é feito o samba".   



Fonte: O Que Essa Banda Tem?




(por Joyce Albuquerque)