Faço
proveito dessa pergunta para dizer que até onde se sabe não houve atrevimentos
de tal "porte". Estudando a história do samba, encontra-se
definições, datas e explicações sobre sua origem. No entanto, nem mesmo grandes
gênios que fizeram parte do que hoje pesquisamos, daquela "nata da
malandragem"* - tais como o grande Paulo da Portela (vital para divulgação
e a retirada do preconceito muito comum daquela época com o samba), Ismael
Silva (um dos fundadores da primeira escola de samba, "Deixa Falar",
1928), Alcebíades Barcelos (Bide, malandro que criou o surdo,
mudando o ritmo anteriormente "amaxixado"), Cartola, Noel Rosa, entre
tantos outros dessa lista enorme - ousaram dizer do que ele era feito. Porém, o
samba sempre foi algo muito citado nas próprias composições, houve, sim,
aqueles que muito já disseram e destacaram nas músicas como ele era importante,
entretanto, a magia que esse gênero causa nunca poderá ser explicada e os
grandes sambistas da antiga sabiam disso. Talvez esse seja um dos motivos
daquela época ter tornado-se um marco para cultura brasileira - claro, além de
todo contexto histórico, como sua origem, gêneros anteriores, etc - tudo era
feito com cuidado, aqueles compositores se importavam verdadeiramente com o que
estava sendo escrito e a melodia que ficava por cima, os sambas não faziam
parte de suas vidas, o samba era a vida de cada um, onde, então, ela se
refletia. Mas o que aqueles sambistas não sabiam é que estavam muito a frente
de seu tempo, desprovidos da tecnologia, essa facilidade para encontrar
qualquer coisa e principalmente entregues à escassez de instruções, fizeram
algo que em pleno século XXI não pode evoluir; quase de forma generalizada, os
sambas contemporâneos e suas atividades são feitas para o comércio, ou/também
para um ato mais exibicionista. Enquanto, antigamente, eram feitos nos
terreiros, no morro... E sem maiores pretensões. Logo, aí está
outro ponto mágico do samba: sua evolução foi feita lá atrás. Por
fim e para uma melhor compreensão dos fatos que levaram a crer que o samba e as
"Escolas de Samba" tomaram rumos que não eram inerentes aos
propósitos iniciais - como quando surgiram - e também para dar uma breve "definição"
do que podemos chamar de "samba", deixarei um trecho do livro escrito
pelo Mestre Candeia e Isnard. Leiam a "apresentação" de muito valor dada por
Sérgio Cabral:
"O
samba é a mais expressiva linguagem musical do povo carioca. Hoje enriquece os
donos do mercado musical, enquanto as escolas de samba são utilizadas pelo seu
potencial turístico, sugadas pelo que oferecem de supérfluo e desprezadas pelo
fundamental. Há tantos interesses em torno do samba e das escolas que fica
muito difícil saber onde é a fronteira da manifestação espontânea do povo e a
ganância."
Trecho extraído do livro "Escola de Samba: Árvore Que Esqueceu a Raiz
*Referência à música "Homenagem ao Malandro
Samba a Dois: música de Marcelo Camelo e que faz parte do terceiro álbum da banda Los Hermanos, Ventura. Além dos geniais trocadilhos feitos no refrão,
"Me lava a alma,
me leva agora..."
que fazem referência à Mila Burns - mulher com quem Marcelo já foi casado - quando o mesmo canta "Mi lava a alma, mi leva embora", a canção traz também uma "intertextualidade" com outra de Chico Buarque, "Tem Mais Samba" nos seguintes trechos:
que fazem referência à Mila Burns - mulher com quem Marcelo já foi casado - quando o mesmo canta "Mi lava a alma, mi leva embora", a canção traz também uma "intertextualidade" com outra de Chico Buarque, "Tem Mais Samba" nos seguintes trechos:
Samba
a Dois
(Marcelo Camelo)
Quem me ensinou a te dizer
"Vem que passa o teu sofrer"
"Me
laça a alma, me leva agora
Já que um bom samba não tem lugar"
Tem Mais Samba
(Chico Buarque)
"Que o
bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer
Vem
que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver"
____________________________________________
Ouça agora cada uma delas:
Ouça agora cada uma delas:
SAMBA A DOIS
Tem
Mais Samba
1964
Feita
para o musical Balanço de Orfeu, de Luiz Vergueiro.
Chico
considera essa canção o marco zero de seu carreira profissional. Foi uma
encomenda feita pelo produtor Luiz Vergueiro para o show Balanço de Orfeu, que
estreou em 7 de dezembro de 1964 no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo.
Em depoimento para o jornalista e escritor Humberto Werneck, Luiz conta que a
música funcionaria como uma espécie de moral de história para o conforto entre
a Bossa Nova e a Jovem Guarda. A canção seria cantada no final do espetáulo,
por todo o elenco, numa mais do que esperada vitória da Bossa Nova.
A primeira sugestão de Chico não satisfez o diretor, e a música só ficou pronta
na véspera da estreia. Era "Tem mais samba" - que, além de marco
inicial, indicaria "uma constante em seu trabalho: a criação por encomenda
[aquela foi a primeira], contra o relógio, mas nunca em prejuízo da beleza e do
prazer de criar", segundo Werneck.
Trecho extraído do livro "Chico Buarque - Histórias de Canções", de Wagner Homem, (página 18).
Em
uma apresentação no Bem Brasil, Marcelo cantou um dos versos da música
"Mania de Você" da Rita Lee no final. Ouçam:
Agora
para os mais interessados, deixarei o link para download do Livro "Escola
de Samba: Árvore que esqueceu a raiz", mais algumas fontes para o estudo
desses que foram tão importantes para a música popular brasileira e que talvez devido
a essa importância, inspirou uma das mais belas músicas escritas pelo Marcelo
Camelo, da qual ele não hesitou terminar de outra forma a não ser "nem se
atreva a me dizer do que é feito o samba".
Ouvir: seleção Samba e Choro